Em 2019, o Brasil celebra os 195 anos de história de Imigração e Colonização Alemã. Mas essa relação é mais antiga. As relações entre Brasil e Alemanha são tão antigas que se confundem com a própria história do nosso país. Muito embora o processo de imigração e colonização alemã só tenha começado, de forma organizada, três séculos depois, e a Alemanha só tenha se constituído como país, tal qual como conhecido hoje, em 1871, o Brasil nunca deixou de ser visitado, explorado e estudado por representantes dos países de língua alemã desde que os portugueses aqui chegaram.
Aliás, os primeiros alemães a pisar o solo brasileiro estavam junto com a esquadra de Pedro Álvares Cabral, que aportou na Bahia em abril de 1500. Eram artilheiros de uma unidade militar portuguesa que acompanhava a esquadra. São textos em língua alemã, inclusive, os primeiros a usar o termo “Brasil” para as terras em que Cabral havia desembarcado.
Nesse primeiro século de Brasil, o alemão mais conhecido é Hans Staden. Nascido no Hessen, coração da Alemanha, Staden chegou a Portugal para sua primeira viagem ao Brasil, em 1549. Mercenário, serviu como arcabuzeiro e esteve no litoral nordeste, auxiliando os portugueses na luta contra os invasores franceses. Em sua segunda viagem, estava a serviço de um navio espanhol, quando naufragou nas proximidades da ilha de Santa Catarina. Em São Vicente (SP), foi preso pelo governador-geral Tomé de Souza e contratado para defender a cidade. Foi capturado pelos índios tupinambás e aprisionado por quase um ano, escapando inúmeras vezes de ser devorado. Após várias tentativas de fuga, poupado como um troféu de guerra, foi finalmente libertado com auxílio de um corsário francês. De volta à Europa escreveu o livro Warhaftige Historia, História verídica, em 1557, contando suas aventuras em território brasileiro, “uma terra de selvagens, nus e cruéis comedores de seres humanos, situada no Novo Mundo da América”. O livro, sucesso na época, teve mais de cem reedições e adaptações, traduzido para o holandês, para o latim e para o flamengo, assim como para o inglês e o francês, foi o primeiro livro europeu publicado sobre o Brasil.
Depois de Staden muitos outros exploradores, viajantes, naturalistas e cientistas de língua alemã viriam para o Brasil. No século 17, as conquistas holandesas no nordeste, a partir de 1630, trouxeram para o Brasil vários alemães, sendo o mais famoso deles Maurício de Nassau. Nomeado governador do Brasil pela Companhia das Índias Ocidentais, chegou à Recife em 1637, onde permaneceu por sete anos até sua volta a Europa. O período da administração de Nassau no nordeste é considerado uma época áurea no Brasil colônia.
No outro extremo do país, entre os jesuítas dos Sete Povos das Missões, no sul, estima-se que 25% dos padres provinham de países de língua alemã. Entre eles o padre Anton Sepp, nascido no Tirol, região de influência e língua alemã no norte da Itália atual, e educado em Viena, na Áustria. Intelectual e amantes das artes era arquiteto, escultor, pintor, além de ter se dedicado a geologia e à mineração, também escreveu sobre a presença jesuíta no Paraguai, Argentina e sul do Brasil.
Do ponto de vista militar, importante personagem da história brasileira, por sua atuação na então Província de Rio Grande de São Pedro, é o general alemão J. Heinrich Böhm, comandante do exército que retomou Rio Grande aos espanhóis em 1776. Böhm havia chegado ao Brasil no final da década de 1760, indicado por outro alemão, o Conde de Lippe. Ambos seriam responsáveis pela reorganização do exército português.
Até o início do século 19 o Brasil ainda permanecia para Europa um país desconhecido. Sua rica fauna e flora, além das peculiaridades das populações indígenas, eram um mistério para os cientistas europeus. A exceção do livro de Staden, que não era cientista, pouca coisa havia sido publicada nos dois séculos seguintes. A administração portuguesa não permitia que estrangeiros visitassem a colônia, na esperança de mantê-la longe de olhos interesseiros. Quando o príncipe Dom João chegou ao país e assinou em Salvador o tratado de Abertura dos Portos às Nações Amigas, em 1808, um grande número de cientistas se dirigiu ao país.
Muitos exploradores de língua alemã vieram então para o país, destacando-se o naturalista Alexander von Humboldt, o botânico Carl Friedrich Philipp von Martius e o zoólogo Johann Babpist von Spix, o pintor bávaro Johann Moritz Rugendas, o paisagista austríaco Thomas Ender, o músico Sigismund Neukomm e uma infinidade de outros que são pouco conhecidos do público geral e que, no entanto, contribuíram significativamente com o desenvolvimento científico e cultural do Brasil. Por fim, o catálogo de obras em língua alemã sobre o Brasil, organizado em 2011 pelo Instituto Martius-Staden, em São Paulo, enumera mais de 900 obras publicadas, por cientistas e viajantes alemães – ou de língua alemã, entre os anos de 1500 e 1900.
Tentativas isoladas de implantação de colônias alemãs foram realizadas na Bahia, entre 1816 e 1818. Depois do casamento de D. Pedro com a arquiduquesa austríaca Leopoldina de Habsburg-Lorena, a vinda de cientistas de língua alemã para a América e a independência brasileira, com a necessidade de colonos e soldados, o país finalmente deu início ao processo imigratório de populações alemãs ao Brasil, no ano de 1824.
Assim, após o envio de alguns colonos para a colônia suíça de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, o governo imperial criou a colônia alemã de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, em julho de 1824, e depois, em 1826, uma colônia no Litoral Norte gaúcho. Na sequência surgiram São Pedro de Alcântara (1829), Piedade e Santa Isabel (1847), Blumenau (1850) e Dona Francisca (1851), todas em Santa Catarina. Santo Amaro, em 1829, em São Paulo. Rio Negro, também em 1829, no Paraná. Santa Isabel, em 1847, e Leopoldina, em 1857, no Espírito Santo. E Petrópolis, em 1845, no Rio de Janeiro. Isso para citar apenas algumas. Depois da década de 1850 mais alemães viriam para o Brasil, em outro contexto histórico, e outras tantas colônias seriam formadas principalmente nos três estados do sul. Uma parcela considerável desses primeiros colonos vinha da região renana, na fronteira com a França, principalmente do Hunsrück, que não por acaso é o dialeto alemão mais falado nas colônias brasileiras.
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